Em busca da Felicidade ou “O Circo” de Georges Seurat.

Georges Seurat - O Circo
© RMN - Grand Palais (Musée D'Orsay) Hervé Lewandowski


Em uma tarde de sol, depois de semanas de frio cinzento, a primavera dava sinais que estava voltando. As crianças brincavam no parque ao lado da faculdade e um raio de sol iluminava meu caderno na sala de aula. Nesse dia a aula era sobre o Neo-Impressionismo, e tratávamos da pintura “O Circo” de Georges Seurat. Após uma longa análise plástica a aula já estava quase no fim, quando o professor fala: “É sobre a Alegria”. Então ele nos explicou brevemente sobre a psicologia das cores e linhas, e foi então que eu percebi que não era a primavera, mas sim o quadro que estava sendo projetado na nossa frente que era o responsável pelo sentimento de felicidade que parecia pairar sobre a sala de aula.

Talvez você não conheça Georges Seurat por nome, mas sabe aquelas pinturas cheias de pontinhos? Pois bem, foi ele que começou o movimento chamado “Pontilhismo” ou “Divisionismo”. Como já vimos nos textos sobre Manet e Degas, o final do século XIX foi uma época prolífica em experiências e novos rumos da Pintura. E Seurat, que tinha se apaixonado pela nova teoria da pintura dos Impressionistas, sobre a captação de cores e formas na pintura, iniciou uma pesquisa que ia além das práticas dos Impressionistas.

Na segunda metade do século XIX a pesquisa científica sobre a percepção das cores é elaborada. A “Lei dos Contrastes Simultâneos das Cores”, explica que nosso cérebro percebe cada cor em relação a sua cor vizinha. Ou seja, as cores influenciam os tons umas das outras. Seurat se interessa por essas pesquisas e decide aplicá-las e desenvolvê-las em suas obras. Partindo da estética Impressionista, ele sintetiza a pincelada em pequenos pontos de cor pura, que são justapostos de maneira a “criar” os tons que ele buscava. Dessa maneira, quando estamos muitos próximos da pintura, vemos apenas centenas de pontos coloridos, e somente quando nos afastamos da tela, percebemos os objetos e formas construídas pelo pintor.



Em 1891 Seurat cria a sua última obra: “O Circo”. No primeiro plano vemos o picadeiro onde os artistas evoluem em formas curvas e linhas diagonais, que sugerem o movimento do espetáculo. Ao fundo vemos as arquibancadas com os espectadores, notem como esse plano é construído em linhas horizontais e verticais e como elas trazem o equilíbrio para a composição, ao contrastar com as linhas curvas do primeiro plano.




Seurat escolhe uma paleta com as cores primárias (vermelho, azul e amarelo), dominadas pela cor da luz pura, o branco. Observem que o plano do picadeiro é tratado basicamente com tons de vermelho e amarelo (que dão uma impressão geral de alaranjado). Já a platéia é tratada em tons de amarelo e azul, e quando nos afastamos do quadro temos uma impressão de tons de violeta. Seurat pensava na obra como um todo, e até a moldura é pintada em milhares de pontos de cor azul, que isola e realça a impressão de cor alaranjada (cor complementar do azul).




Mas por que Seurat escolheu esses elementos? Bom, ele se baseou nas pesquisas de Charles Henry sobre a psicologia das linhas e cores. Segundo o pesquisador as linhas horizontais despertariam o sentimento de calma, já as linhas diagonais despertariam a sensação de agitação e movimento. Segundo Henry, as cores teriam os mesmo efeitos na nossa percepção. Por isso, Seurat cria as linhas ascendentes como o tutu da bailarina, e o cabelo do palhaço para sugerir o movimento. Ele escolhe o amarelo e o vermelho para esses elementos, cores que denotam energia




Notem que o pintor aplica a tinta em pequenos pontos regularmente posicionados, que seguem o ritmo das linhas ascendentes. Através dessas escolhas Seurat cria uma obra dinâmica, que vai muito além de apenas retratar uma cena circense. O artista consegue nos fazer sentir a leveza e a alegria de um espetáculo de circo.




Seurat morreria prematuramente aos 31 anos de idade, uma semana após a abertura do Salão dos Artistas Independentes, onde essa obra foi exposta. Ele não viveria para ver o impacto que suas pesquisas teriam nos artistas da geração seguinte. A obra de Seurat está na raiz de várias correntes da Arte Moderna, ele foi um visionário que explorou corajosamente uma nova forma de “ver” as cores.  Com “O Circo” Seurat nos presenteia com um momento de pura alegria. Quando nós estamos diante dessa tela, temos a impressão de que talvez, por um breve momento, nós também possamos ser tão leves e graciosos diante da vida, assim como a bailarina que dança sem receios diante da platéia maravilhada.

Georges Seurat
O circo
1891
Óleo sobre tela – 1,85m x 1,52m
Museu D’Orsay – Paris 

Quer sentir a alegria de “O Circo”? Ela fica no Museu D’Orsay, no 2º andar.

Não pode pegar o avião e vir para Paris hoje mesmo? Pas de problème, o Google Art Project tem a imagem em alta resolução: https://www.google.com/culturalinstitute/asset-viewer/the-circus/agFX4peHSDwt_g?hl=pt&projectId=art-project

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