Uma Valsa com Félix Vallotton

Félix Vallotton
A Valsa
© MuMa Le Havre / David Fogel

 Ah, a Valsa! Dançar e girar até quase perder os sentidos! Deixar-se levar pelos ritmos da música que crescem, descem, enquanto giramos e giramos. Ah, como traduzir tamanha sensação com apenas uma pintura? A resposta está na obra “A Valsa” de Félix Vallotton.

Essa obra realizada em 1893 mostra casais que deslizam sobre uma pista de patinação no gelo. Essa pista ficava no célebre Palais de Glace, ou “Palácio de Gelo”, que era uma das grandes atrações da Avenida Champs-Élysées na Paris no final do século XIX. Foi nesse lugar que atraía toda a burguesia parisiense, que Félix Vallotton encontrou inspiração para seu quadro.


 Vallotton fazia parte do grupo de artistas do movimento dos Nabis, que foi fundado por um grupo de jovens sonhadores. Esses jovens estavam extasiados com todas as possibilidades que a Arte do final do século XIX parecia oferecer, e como todos os jovens sonhadores, eles queriam revolucionar as Artes, eles queriam criar uma Arte livre da hierarquia dos gêneros, eles queriam a liberdade, a simplicidade. Eles queriam mudar o mundo!

Porém, se mudar o mundo se mostrou uma tarefa hercúlea, os artistas Nabis ao menos conseguiram trazer um novo sopro de novidade ao mundo da arte. A palavra Nabi vem do Hebreu e significa “Profeta”, e isso demonstra como esses artistas buscavam romper com a Arte Acadêmica do passado e chegar a uma Arte nova e purificada dos conceitos engessados da Academia.

Na tela vemos alguns casais que evoluem sobre a pista de patinação. Os casais dançam ao som de uma valsa, que nós espectadores, só podemos imaginar. Esse tema Musical se enquadra perfeitamente nas pesquisas dos Nabis, pois esses queriam abolir as fronteiras entre os diferentes gêneros de arte, como a música, a dança, a pintura, o teatro, assim como os gêneros considerados “menores”, como a ilustração, a cerâmica, as artes têxteis, as artes do vitral, etc. Eles buscavam unificar todas as formas de expressão artística. Então, quando Vallotton escolhe como tema uma valsa, ele procura unir através da Pintura, as sensações que a Música e a Dança suscitam em nós. 

Os Nabis buscavam também afirmar a precedência dos elementos que constituem a Pintura (cores e linhas) em detrimento da imitação ilusionista da Natureza, exigida pela Pintura Acadêmica. Como já vimos nos textos sobre Sonia Delaunay e Henri Matisse, o pintor e teórico Maurice Denis (que fazia parte do Movimento Nabi) escreveu que: “(...) um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua, ou um fato pitoresco qualquer – é essencialmente uma superfície plana recoberta de cores dispostas numa certa ordem.. Ou seja, os Nabis buscavam a purificação da Pintura, eles queriam se expressar utilizando apenas os elementos singulares à Pintura. Eles chegam à simplificação das formas, utilizam grandes planos de cor pura, sem os recursos do chiaroscuro que criam a ilusão de volume. Eles abandonam a Perspectiva Clássica e utilizam as cores de maneira não-realista.

Observem como Vallotton simplifica as formas. Vemos apenas as silhuetas dos casais que dançam. Os casais parecem se dissolver e se fundir em uma forma sinuosa única.



Vallotton utiliza centenas de pontos multicoloridos para sugerir as partículas de gelo que se soltam da pista devido ao atrito dos patins, e são iluminados pelas luzes coloridas e artificiais da pista de patinação. Notem como ele sugeriu o movimento através desses pontos coloridos que agitam o espaço da tela, e também, através das linhas que deixam as lâminas dos patins no gelo.




 Como vimos, os Nabis abandonam a Perspectiva Clássica. Notem como Vallotton posiciona uma linha vermelha no canto superior direito, e com isso cria a noção de espaço na tela.



Vallotton se inspira nas composições de Edgar Degas, para construir o enquadramento. Ele posiciona alguns personagens fora do campo de visão, como o casal que é “cortado” pela tela no canto superior esquerdo, e do qual só vemos a saia e os pés da mulher, ou ainda o casal do segundo plano “cortado” pela tela à direita. Através desses detalhes, o pintor consegue sugerir o espaço que vai além da tela.

 Mas talvez o detalhe mais moderno desse quadro, seja o busto da mulher que aparece em primeiro plano. Como em um filme, ela parece surgir inesperadamente, no tempo de um acorde da valsa, girando pela tela. Seu companheiro, do qual vemos apenas a mão, a segura firmemente, enquanto ela se deixa levar pela pista. Observem como o rosto dela é um dos únicos pontos desenhados em detalhe no quadro, pois assim Vallotton cria um ponto ancorado e fixo, em meio aos pontos brilhantes e coloridos que flutuam e agitam o espaço do quadro.



Félix Vallotton através desses elementos inovadores traduz em pintura a sensação de abandono com a qual os casais se entregam à valsa. Através do sorriso sonhador da personagem em primeiro plano, o artista representa todo o prazer fugaz, que parece fazer o tempo parar, pelo tempo de uma valsa. 

Félix Vallotton
A Valsa
1893
Museu de Arte Moderna André Malraux – MuMa – Le Havre
Óleo sobre tela – 61 x 50cm


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