Píramo e Tisbe

Nicolas Poussin
Píramo e Tisbe
© 2015 Städel Museum

Estava eu a disputar espaço em frente aos quadros de Nicolas Poussin, na exposição temporária do Museu do Louvre, “Poussin e Deus”, quando finalmente encontro um espaço em frente a obra “Píramo e Tisbe”. Essa grande paisagem tem quase 3 metros de largura e quando estamos frente a ela o tempo parece parar. E acho que não fui a única a achar isso, pois ao meu lado um senhor parecia hipnotizado pela pintura também. As obras da fase madura de Poussin têm esse poder enigmático, elas atraem o espectador com composições aparentemente simples, e nos mantêm fixados tentando desvendar o segredo que elas guardam. Poussin vai na direção contrária do mundo acelerado moderno, onde vemos várias imagens ao mesmo tempo, sem nos darmos conta de nenhuma. Poussin ao contrário nos convida a ver suas pinturas, a passarmos algum tempo com elas para conhecê-las. O tempo é essencial aqui.

Bom, como o titulo da obra indica “Paisagem com Píramo e Tisbe”, esse quadro tem como um de seus temas o casal de jovens. A lenda deles contada pelo poeta latino Ovídio, é essa: Os dois jovens viviam na Babilônia e eram vizinhos. E então, crescendo um ao lado do outro, eles aprenderam a se amar. Como suas casas eram separadas por um muro, eles encontraram uma fresta pela qual trocaram juras de amor. Porém nem tudo eram flores no caminho desses dois jovens. Os pais se opuseram ao casamento e então os dois, como todo jovem que tem o Amor negado, resolvem fugir. Eles marcam de se encontrar em um lugar afastado da cidade. Então chega o momento da fuga, e enquanto Tisbe espera pelo seu amado, ela vê uma leoa se aproximar. A leoa caminha tranquilamente, coberta pelo sangue da sua caça. Tisbe foge o mais rápido possível e deixa cair seu véu. A leoa faz o véu em pedaços e vai embora. Quando finalmente Píramo chega ao lugar do encontro, ele vê o véu ensangüentado de sua amada feito em pedaços e imagina o pior: Tisbe está morta. A dor e o sentimento de culpa por não ter protegido Tisbe o dirigem ao tormento e ele saca então sua espada e tira a sua própria vida. Mais eis que nos momentos finais retorna à cena Tisbe. Ela em um só olhar compreende o que aconteceu, percebe o engano de Píramo, “seu amor por mim o matou” diz ela, “mas eu também sei amar e a morte não irá nos separar”, e dizendo isso, ela pega a espada de seu amado e corajosamente atravessa com ela, seu próprio coração.

Que história mais triste não é? Mas vamos enxugar nossas lagrimas e voltar ao quadro de Poussin.



Notem como o artista escolheu o momento em que Tisbe retorna e vê seu amante Píramo caído, morto. Dentre todos os momentos da história, foi esse exato momento, o da descoberta, que Poussin escolheu retratar. Como nós sabemos, em Pintura temos apenas um momento, uma cena, para contar uma história. E aqui Poussin escolhe esse momento, pois ele está em sintonia com o tema maior do quadro (sobre o qual já vamos falar), mas também esse momento faz nós, os espectadores, participarmos da trama. Nós sabemos o que vai acontecer no final da história, e então quando nós vemos o desespero de Tisbe, nós simpatizamos com ela, pois sabemos o ato extremo que ela está prestes a cometer em nome do seu amor. Ou seja, o quadro se completa com a nossa participação. Poussin através dessa escolha de momento nos convida ao quadro.

Mas como eu disse, a história do casal não é o tema principal do quadro. A história deles está a serviço de um tema maior. Todo grande artista trabalha sobre um tema. Ele junta os elementos que nos fazem chegar ao tema maior. Durante muito tempo, esse tema maior era relacionado com assuntos morais e religiosos, já na arte moderna o “assunto” passou a ser a própria plástica da pintura, mas e aqui? Qual é o tema de Poussin nesse quadro?

Bom, Poussin freqüentava os círculos intelectuais da época, só que no caso na época, o século XVII, os temas intelectuais eram em grande parte permeados pela religião. Poussin estudou os textos de Santo Agostinho sobre o Destino do homem e foi deles que tirou inspiração para o nosso quadro. Mas um quadro é construído por imagens, então como Poussin traduziu em forma de pintura o pensamento de Santo Agostinho?

Bom, já vimos através da história de Píramo e Tisbe como o destino parece ter interferido na felicidade do casal. Mas agora vamos observar algo central no quadro, tão central que é o ponto focal da composição, o lago.


 Notem como apesar da tempestade que se forma, apesar das pessoas que fogem para se abrigar dos raios e do vento imperioso que faz dobrar as árvores, apesar das grandes e pesadas nuvens, o lago está calmo, sem uma onda na sua superfície. Ora, em meio a uma tempestade, o lago deveria estar tão agitado quando o restante do ambiente não? Por que então Poussin o criou como um recanto de paz?

Bom, como vimos, um dos temas que interessavam Poussin era o Destino do Homem, mas esse destino se refere à Divina Providencia, ou seja, a vontade de Deus em moldar as vidas humanas. E aqui Poussin nos mostra que apesar das paixões humanas, como a paixão de Píramo e Tisbe, que são reiteradas pela tempestade, os homens não estão no controle do seu próprio futuro. Um homem sábio deve saber controlar suas paixões e permanecer impassível face às tempestades, assim como o lago. Poussin nos lembra que as desordens são temporárias e passageiras, e que é a constância e não as paixões terrenas que devemos cultivar. Somente através da humildade perante o Destino, o homem pode viver em paz.

Nicolas Poussin
Píramo e Tisbe
1651
Óleo sobre tela. – 1,91 x 2,74m
Museu Städel em Frankfurt.

Quer meditar sobre o destino do Homem? Quando estiver em Frankfurt, dê uma passada no Städel Museum, pois é lá onde mora o casal desafortunado. 

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