Edgar Degas: Um rebelde que adorava a tradição.

Em uma das salas dedicadas aos Impressionistas do Museu D’Orsay em Paris, alguns quadros retratando bailarinas atraem os olhares (ou máquinas fotográficas) de todos que por ali passam. O autor desses quadros é Edgar Degas, e você talvez não o conheça pelo nome, mas é muito provável que você conheça sim, algumas das obras dele.


A aula de dança
©photo musée d'Orsay / rmn

A Estrela
©photo musée d'Orsay / rmn

Dançarinas em Azul
©photo musée d'Orsay / rmn


Degas ficou conhecido como o “pintor das bailarinas”, e como todo rótulo, esse é restritivo e nos leva um pouco longe da verdade, porque Degas foi muito mais do que isso. Querem provas? Então me acompanhem que eu vou apresentá-lo á vocês.  

Para esse encontro com Degas, eu escolhi uma pintura que fica pendurada logo ali, ao lado das famosas bailarinas, mas que não atrai tanta atenção: “A Orquestra da Ópera”. Essa obra data de 1870, “nossa que antiga”, você pode estar pensando, mas e se eu te contar que ela é moderníssima? E se eu te contar que Degas com ela, subverteu algumas das regras clássicas centenárias da pintura? Degas era um rebelde. Olhem aqui uma foto dele:

Edgar Degas
Bibliothéque Nationale de France


... Bem... pois é ... Talvez pela foto a gente não perceba isso. Então vamos voltar ao quadro. Essa pintura começou com um retrato de Désiré Dihau, amigo de Degas que tocava fagote na Ópera de Paris. Como eu disse, Degas era moderno, e ele não iria simplesmente fazer uma tradicional imagem de seu amigo, não, Degas  decidiu colocar seu amigo em ação, tocando seu instrumento durante uma apresentação de ballet. Mas Degas, como rebelde irrequieto que era, começou a pensar sobre a composição do quadro. Vamos agora nos colocar no lugar dele: Se você fosse tirar uma única foto de um amigo tocando um instrumento em uma grande orquestra, como seria essa foto? Provavelmente seu amigo estaria em algum ponto destacado do enquadramento, e você lembraria de incluir a orquestra, pois afinal aquela é a única foto que você pode tirar do seu amigo, então é bom incluir a orquestra para a foto poder ter uma localização clara, não é? E, além disso, como estamos em um teatro de arquitetura lindíssima, bom, isso vai ter de aparecer também, pois lembre-se: a foto é o único momento que seu amigo vai ter desse dia tão especial. Bom, agora vamos dar uma olhada no quadro do Degas:

Edgar Degas
A Orquestra da Ópera
© RMN-Grand Palais (Musée d'Orsay) / Hervé Lewandowski

Mas ora vejam... Degas não fez nada disso. Pois apesar de seu amigo estar ali em primeiro plano, nós vemos vários outros músicos, não sabemos direito onde a cena se passa e lá no fundo, vemos apenas as pernas das bailarinas que dançam o ballet, e para terminar essa afronta aos bons costumes da pintura ele pinta os tutus das bailarinas como se fosse borrões! “Oh la la”diz a sociedade da época, “este Monsieur Degas aprendeu a pintar tão mal onde?”.

Eu digo onde: Degas teve uma formação de Pintura Clássica, era apaixonado por copiar as obras dos grandes mestres do passado para aperfeiçoar seu desenho, passou alguns anos na Itália copiando obras de Rafael. Degas era um exímio desenhista. Mas Degas era também um artista muito irrequieto nas suas pesquisas, ele viveu em uma época onde Pintura Clássica parecia estagnada. Segundo a alta sociedade da época a arte deveria ser moralizante, com algum tema que levasse à contemplação sobre os bons valores da sociedade e, sobretudo, a arte deveria ser bela. Mas a sociedade do final do século 19 também estava mudando: A Revolução Industrial modernizou radicalmente a vida das pessoas, os trens e os telégrafos aproximaram nações, a oferta de novos produtos encantou as pessoas, e as modernidades domésticas criaram um novo estilo de vida. Então não parece claro que a arte deveria “evoluir” também, junto com a sociedade? Degas fez parte do grupo de artistas que aos poucos transformou a idéia de o que seria considerado Arte. Mas bem, vamos voltar ao quadro e ver como ele fez isso?

Degas constrói seu quadro em três partes: a parte inferior, onde apenas a balaustrada do fosso da orquestra sugere o espaço do público; a parte central onde tocam os músicos; e a terceira onde vemos o palco onde dançam as bailarinas. Ele escolhe um enquadramento que corta grande parte da imagem, por exemplo, como nós vimos, ele mostra apenas as pernas das bailarinas. Uma radiografia dessa obra revelou que Degas realmente cortou a tela depois de pronta, para radicalizar ainda mais o efeito do enquadramento fechado.

Outra rebeldia de Degas foi em relação ao desenhos e as cores. Notem como os rostos dos músicos são bem desenhados, nós vemos claramente cada um deles, suas expressões enquanto tocam seus instrumentos. 



E agora reparem na parte superior, nas saias das bailarinas, observem como elas são representadas através de efeitos sumários de pintura, elas chegam a parecer como borrões de cores. Como eu disse, Degas desenhava habilmente, mas aqui ele escolhe utilizar uma factura de pinceladas rápidas, pois através delas ele consegue transmitir a sensação de movimento da dança.



Através dessas escolhas de enquadramento e desenho Degas consegue sugerir as sensações de movimento e de ritmo. Dessa maneira ele consegue criar um espaço dinâmico onde sentimos o pulsar daquela noite de ballet no teatro. O quadro termina com o nosso olhar que intui o espaço da ópera, mesmo sem vê-lo. Degas não representa apenas um espaço tal qual ele é na realidade, mas sim, tenta captar o movimento dentro daquele espaço, o instante fugaz de vida. – E isso meus amigos, antes da popularização da Fotografia, isso, antes da invenção do Cinema. - Degas é moderníssimo.

Edgar Degas
A Orquestra da Ópera
1870
Museu D’Orsay – Paris
Óleo sobre tela; 56x46 cm.

Quer ver os músicos da orquestra de Degas no Museu D’Orsay? Galeria dos Impressionistas, 5º andar, sala nº32. 



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