Eu te darei o céu meu bem.



Se alguém desconhecido de repente surgisse na sua frente e lhe prometesse as estrelas em troca do seu amor, o que você faria? Imagino que você no mínimo iria desconfiar de tamanha audácia, pois hoje em dia “não se pode mais confiar em ninguém”. Que tristeza não é? A época moderna acabou com o romantismo! Pois bem, venham comigo ver um quadro, pois nesse dia dos namorados vou curá-los dessa descrença no amor!             

Em 1519 o pintor veneziano Ticiano recebeu uma encomenda do Duque de Ferrara para três pinturas. Elas deveriam ilustrar os “amores dos deuses” e seriam colocadas no novo gabinete do castelo do Duque. Ticiano além de grande pintor era um homem de imensa cultura e admirador do poeta latino Ovídio. E foi nos poemas dele que Ticiano se inspirou para compor “Baco e Ariadne”.

Mas antes de vermos o quadro, deixe-me resumir o mito para vocês: Ariadne era a Princesa da ilha de Creta e foi ela quem ajudou o herói Teseu a matar o Minotauro. Em troca dessa ajuda, Teseu prometeu casar-se com Ariadne e levá-la morar com ele em Atenas. Porém, no caminho, eles param na ilha de Naxos e segundo o poeta Ovídio, Teseu volta atrás em sua promessa e deixa a ilha sem Ariadne. Esta ao perceber que seu amado herói a abandonou, mergulha em desespero e dor. Porém enquanto Ariadne andava distraída pela ilha chamando em vão por Teseu, com seus cabelos ao vento e pés descalços, eis que chega à ilha o deus do vinho, Baco, e seus companheiros. Baco quando vê a princesa abandonada cai imediatamente de amores por ela. Ariadne se assusta com a comitiva de Baco, mas este a acalma e diz para ela não temê-lo, pois ele deseja casar com ela e vai presenteá-la com o céu, e ele diz também que irá adorá-la todos os dias, como se uma estrela do céu ela fosse. No dia do casamento Baco oferece à Ariadne uma coroa feita de estrelas, e no dia da morte dela, seu marido, que é um deus imortal, joga a coroa aos céus e oferece à sua bem amada a eternidade em forma de uma constelação de estrelas.

Ah, o amor! Mas agora eu pergunto a vocês, como uma pintura poderia igualar-se em romantismo ao poema de Ovídio? Bom, vamos ver?

© Copyright The National Gallery, London 2015
Ticiano
Baco e Ariadne

Na pintura vemos o cortejo de Baco, com faunos, sátiros e ninfas chegarem dançando e tocando seus címbalos e tambores pela parte esquerda da tela. Baco salta de sua carruagem atrelada a dois felinos, para ir ao encontro de Ariadne no canto esquerdo da tela.

Mas vamos agora analisar como Ticiano contou essa historia através da pintura? Notem como ele decidiu fixar Baco no momento do salto. A capa vermelha do deus flutua no espaço, criando a sugestão de movimento. Baco está parado no tempo e tem seu olhar fixado em Ariadne. Esta é pega de surpresa e podemos ver isso na maneira como Ticiano desenhou a posição dela: notem como ela se volta em direção a Baco enquanto ainda acena para o barco de Teseu ao fundo. Essa posição expressa a divisão de sentimentos de Ariadne: a dor do abandono e a surpresa. A posição dos corpos demonstra a atração imediata que eles sentem um pelo outro.



Notem como os olhares dos personagens se atraem. Observem que Ticiano deixa um espaço entre esses olhares que se abre para o infinito do céu, pintado com a cor mais cara da época, o azul de lápis-lazúli. 


Baco salta em direção de Ariadne prometendo a ela as estrelas, e quando olhamos o canto superior esquerdo do quadro, já vemos materializada a promessa.


Lembrem que em pintura temos apenas um único momento para contar toda a história. E aqui Ticiano resume os elementos da historia, e transpõe em pintura o sentimento do amor à primeira vista. Baco não pode se controlar, ele salta para se declarar à sua amada. Ticiano quando escolhe posicionar Baco parado no meio do salto, sugere a força imperiosa do amor que parece fazer o tempo parar.

Romântico não é? Feliz Dia dos Namorados!

Ticiano
Baco e Ariadne
1519-1523
Óleo sobre tela - 1,76x1,91 m
National Gallery de Londres

Querem sentir o amor á primeira vista de Ariadne e Baco? Os enamorados estão na National Gallery em Londres, na sala nº 02.




Comentários

Postagens mais visitadas