Colocando as coisas em perspectiva. – Parte 2

© 2009 Musée du Louvre / Erich Lessing
Jan Van Eyck
A Virgem do Chanceler Rolin


A sala onde fica o quadro “A Virgem do Chanceler Rolin” no Louvre está localizada em uma parte não muito visitada do museu, o que é uma pena. Porém, como a sala é calma, eu gosto de ficar olhando a reação das pessoas frente a este quadro. Na semana passada, por exemplo, um senhor se aproximou do quadro, olhou, olhou a placa de informações do quadro, voltou a olhar e começou a tirar várias fotos. Em um momento ele estava tão concentrado dando zoom na lente da câmera que eu comecei a rir. Ele percebeu que eu ria  e me disse em um inglês cheio de sotaques: “Tão rico! Tão rico em detalhes!”. E ele estava certíssimo, esse quadro faz nosso olhar vagar de um ponto a outro do quadro, tamanha a quantidade de detalhes, de tecidos, de materiais, de paisagens habilmente construídas pelo pintor Jan Van Eyck.


No quadro vemos o Chanceler ajoelhado em oração frente à Virgem e do Menino Jesus que o abençoa. O Chanceler encomendou a pintura para a igreja onde ele havia sido batizado, como agradecimento as bênçãos recebidas. Esse tipo de esquema, no qual o doador está representado junto à Virgem e aos Santos, era muito comum na época. Porém Van Eyck transforma essa cena tradicional e cria uma representação original, separando o mundo terreno do mundo espiritual. Na parte esquerda do quadro, os elementos são de ordem terrena, já na parte direita Van Eyck cria a representação da Jerusalém Celeste.



Na parte esquerda, vemos o Chanceler ricamente vestido em oração. Observem que logo acima da cabeça deste, vemos os capitéis (a parte superior das colunas) esculpidos com as histórias de Adão e Eva e de Noé. São imagens do Antigo Testamento que falam sobre o Pecado Original e as conseqüências desses atos no mundo dos homens. No exterior das muralhas vemos uma cidade aos moldes de uma cidade típica da época de Van Eyck.








Na parte direita a Virgem está vestida com um manto vermelho com um bordado ornado de pedras preciosas. O Menino Jesus no colo de sua mãe, segura uma cruz montada sobre um globo de cristal. Esse objeto é símbolo do poder terreno (o globo) e do poder espiritual (a cruz). O Globo representa o poder da criação do mundo e a Cruz prefigura o sacrifício de Cristo. Ainda o globo em cristal transparente é uma referência à pureza de Maria e da Imaculada Concepção. Logo acima da Virgem, um Anjo vem coroá-la. Ao fundo vemos uma cidade fantástica, composta de edifícios altos e majestosos, e de uma imensa catedral no estilo gótico, é a Jerusalém Celeste descrita no livro do Apocalipse.





Notem também o detalhe da ponte que cruza o rio que divide os dois mundos. No meio dela vemos uma cruz, que é símbolo do Sacrifício de Cristo. E é através desse Sacrifício que é possível aos homens a passagem ao mundo divino.



Jan Van Eyck, além de inovar na representação da imagem dividida entre os dois mundos, inova na construção da composição. A forma como o pintor constrói o ambiente onde estão os personagens é inteligente no nível simbólico e no nível de estilo. Os personagens estão inseridos em um ambiente inspirado na arquitetura romana antiga, com colunas, capitéis e arcos. Observem que em um plano intermediário vemos um jardim fechado por uma muralha que nos sugere que estamos em um palácio celeste. A arcada tripla é simbólica, pois faz referência à Santa Trindade. Já o jardim fechado é uma representação típica da época, para figurar a Virgem Maria, pura e casta.



Um detalhe interessante é a iluminação dessa pintura. Observem que a fonte de luz está na frente dos personagens e vem no lado direito do quadro. Van Eyck criou a iluminação desta maneira, pois na capela onde ficava originalmente o quadro, havia uma janela do lado direito que iluminava o quadro nesse ponto exato.



Mas além de um ambiente simbólico, Van Eyck criou um espaço que responde às regras da perspectiva. Porém a perspectiva dos pintores no norte da Europa, como Van Eyck, é diferente daquela feita na Itália (a qual observamos no texto sobre Fra Angelico).  Aqui embora as linhas dos azulejos e do topo das colunas estejam convergindo para uma área central (e não para um ponto específico), a perspectiva é construída de maneira intuitiva. Observem como a paisagem ao fundo é construída de maneira que ela vai se “dissolvendo” na distância. Esse tipo de construção de paisagem foi inventado pelos pintores do norte da Europa e foi chamada de Perspectiva Atmosférica. Van Eyck a leva à perfeição aqui, com uma paisagem construída minuciosamente nos detalhes, que vai pouco a pouco desaparecendo no horizonte.



Essa técnica só foi desenvolvida devido à outra invenção os pintores do norte: a tinta a óleo. Essa tinta permitiu as transições leves e delicadas, além das quase transparências necessárias para criar o efeito atmosférico. E graças à tinta a óleo Van Eyck pôde criar a grande variedade de materiais como os tecidos, os mármores, os pequenos detalhes que tanto fascinaram o senhor no Louvre.

  
Jan Van Eyck.
A Virgem do Chanceler Rolin
1434/1435
Museu do Louvre – Paris
Óleo sobre madeira- 0,66 x 0,62cm


Quer ver de perto os detalhes dessa obra? Museu do Louvre, na ala Richelieu, 2º andar – Sala 05 

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