Como ser um Cavalheiro ou O Retrato de Baldassare Castiglione por Rafael.

Rafael
Retrato de Baldassare Castiglione
Museu do Louvre – Paris
©Musée du Lovre / Angèle Dequier


Hoje em dia retratos são coisas banais e o mundo parece estar inundado por selfies. As fotos se tornaram tão automáticas e múltiplas que nem paramos para pensar nelas, “curtirmos” as imagens de nossos amigos queridos nas redes sociais, sem realmente nos darmos conta da imagem em si. No entanto, no passado distante, antes da invenção da câmera fotográfica, para se fazer um retrato era necessário contratar um pintor, de preferência algum famoso, colocar a mais suntuosa roupa e posar por horas, dias.  Além disso, retratos eram caríssimos e reservados aos aristocratas. Por volta do ano 1500 o retrato moderno estava sendo inventado e alguns pintores dedicaram-se a pesquisas profundas que alteraram o modo de retratar as pessoas. Na Renascença, mais do que conseguir captar a similaridade do modelo, os pintores buscavam transmitir a personalidade do retratado.

Um desses grandes pintores foi Rafael Sanzio, que por volta de 1514 cria o retrato de Baldassare Castiglione. Rafael é conhecido por seus belos quadros e suas figuras graciosas. Contemporâneo de Leonardo Da Vinci e Michelangelo, ele estudou com afinco as obras desses dois mestres. Sua personalidade sociável e seu talento para as coisas belas, fizeram de suas obras um grande sucesso, trabalhando para Papas e grandes Aristocratas.  Foi na Renascença que as pesquisas sobre o retrato foram aprofundadas, e Rafael é o responsável por algumas das mais belas obras desse gênero da pintura.

Em “Retrato de Baldassare Castiglione”, vemos um homem vestido de maneira elegante, com ricos tecidos, como a seda e o veludo. Ele está sentado na posição chamada de ¾, e tem o rosto dirigido ao espectador. Essa posição de ¾ foi utilizada por Da Vinci na “Monalisa”, e ela confere movimento à composição, pois no lugar de uma visão frontal do modelo, vemos seu corpo em ângulo. Aqui, Rafael se inspira no célebre quadro de Da Vinci e posiciona seu personagem da mesma maneira.


 Porém Castiglione não era um simples modelo, ele e Rafael nutriam uma longa amizade. Além disso, Castiglione era um rico diplomata que entraria para a história, com seu livro publicado em 1528, “O Livro do Cortesão”. Nesse livro Castiglione trata das qualidades em ser um perfeito cavalheiro. Segundo ele um verdadeiro cavalheiro da Corte, deveria ter uma mente tranqüila, apta para debates inteligentes e respeitosos. A retórica deveria ser estudada e aplicada ao cotidiano. O bom cortesão deveria saber como se manter em público, deveria saber como ter gestos elegantes e naturais, sem artificialidades. Além disso, os verdadeiros cavalheiros deveriam prezar a atividade física e deveriam nutrir o espírito guerreiro.  Finalmente um cortesão digno deveria conhecer bem as Humanidades, os Clássicos, e as Belas-Artes. E, sobretudo, um cavalheiro faria tudo isso com facilidade e graça, em completa harmonia com seu espírito elegante e discreto. Para nosso olhar moderno, talvez essas qualidades possam parecer forçadas, porém na época, esse era o ideal a que aspiravam todos os homens da aristocracia. Esses eram os ideais do novo Homem que nascia: o Homem da Renascença.

Rafael era sem dúvida um grande homem da Renascença e freqüentava os círculos mais nobres da sociedade, então ele como Artista deveria personificar todas essas qualidades. As suas pinturas são feitas com uma aparente graça, sem esforço. Existe um termo para essa qualidade: Sprezzatura. E é com essa aparência de facilidade e tranqüilidade que ele cria o retrato de seu amigo Castiglione.

Como vimos, os pintores buscavam não apenas a imitar perfeitamente a aparência de seus modelos, mas eles buscavam imprimir a personalidade dos retratados. Nessa obra, Rafael cria o retrato de um verdadeiro cavalheiro. Quando estamos diante dessa obra temos a impressão de uma presença nobre e digna. Observem as cores, vejam como Rafael escolheu tons sóbrios para o retrato. O fundo é neutro em tons de cinza, as roupas são de cor negra e cinza. Nada é ostensivo. Notem o detalhe da camisa branca que sobressai do colete e assim realça o rosto de Castiglione. Observem como somente o rosto do modelo é tratado em tons quentes. Vejam com a luz incide nos olhos azuis do modelo e revela toda a dignidade deste.


Através dessas escolhas plásticas, como o uso da cor e da luz, Rafael consegue transmitir a personalidade nobre do modelo. Rafael quando constrói minuciosamente a barba do modelo de maneira que essa adquira a aparência de maciez, não o faz por exibicionismo de suas qualidades como pintor, mas ele o faz para sugerir a sutileza da personalidade desse grande cavalheiro.

A Arte da Renascença prezava pela harmonia, não apenas da composição, mas de um acordo entre a forma e a função, onde cada parte da pintura se relaciona ao tema maior do quadro, e nenhum detalhe é gratuito. Aqui, esse tema seria a personificação do bom cortesão.  A posição do modelo, com um leve movimento de cabeça e as mãos em repouso é reveladora da modéstia e da calma desse homem. Rafael, através dessas escolhas aparentemente simples, conseguiu refletir a dignidade e a posição social de Castiglione.

Quanto nós estamos frente a essa pintura, nós sentimos que estamos na presença de alguém importante, na presença de uma alma nobre. Sentimos o respeito que a figura inspira, mas não um respeito de subserviência, mas sim o respeito pela dignidade que a figura inspira. 


Rafael
Retrato de Baldassare Castiglione
1514 - 1515
Museu do Louvre – Paris
Óleo dobre Tela – 82cm x 67cm

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