Rubens e a Arte da Sedução
© Musée du Louvre / A. Dequier – M. Bard
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A arte quer te
seduzir, quer te encantar, assim como um mágico que encanta a audiência, para
que assim ninguém perceba o truque. As pinturas nos convidam a aceitar a
ilusão, pior, quanto mais elas nos enganam, mais somos atraídos por elas. O
lado positivo dessa atração perigosa, é que o único risco que corremos é o de
nos apaixonarmos perdidamente pela arte, e esse é um risco que todos deveríamos
correr.
Um dos pintores que
mais explorou esse lado sedutor das pinturas foi Peter Paul Rubens. Suas
pinturas são tão cheias de cores e movimento, que elas nos fazem atravessar a
sala para olharmos mais de perto. Um dos significados originais da palavra
seduzir é “desviar do caminho”, e é exatamente isso que as obras de Rubens
fazem: elas nos fazem parar e olhá-las. Nós somos atraídos pelos temas, pelos
detalhes, e se depois de satisfeitos pensamos em seguir nosso caminho,
finalmente, voltamos para dar aquela última olhada.
Auto-Retrato de
Rubens - Museu de História da Arte Viena (via Wikimedia Commons)
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Rubens foi uma
verdadeira celebridade da pintura. Durante a sua vida, monarcas de todas as cortes
da Europa o assediavam para criar obras grandiosas para que pudessem competir
com a coleção de arte do rei vizinho. Uma dessas monarcas foi a rainha francesa
Maria de Médici. Em 1621, ela convida Rubens para criar uma série de quadros
que contariam os episódios mais importantes de sua vida como rainha. O pintor
aceita o desafio, e em 24 telas de grande formato, ele cria todo um universo
alegórico para ilustrar os fatos mais marcantes da vida da rainha, mesclando
mitologia com eventos reais.
Uma dessas pinturas é
conhecida como “O rei Henrique IV recebendo o retrato da rainha Maria de
Médici”. Temos de lembrar que naquela época o casamento dos monarcas era
realizado á distância. Na maioria dos casos os noivos não se conheciam
pessoalmente, e por isso os Retratos Matrimoniais eram tão importantes, pois
eles eram a única imagem que os noivos tinham um do outro.
Para recriar o
momento da recepção do retrato pelo rei, Rubens utilizou mitologia grega,
alegorias e claro, seu estilo vivo, que acentua as cores.
Na parte superior da
tela vemos o casal mitológico Zeus e Hera, que do alto observam a cena romântica.
Os deuses gregos são reconhecidos pelos seus atributos: a águia de Zeus e o
pavão de Hera. Observem como eles tocam gentilmente a mão um do outro, em sinal
de aprovação e emocionados com a cena que se desenrola logo abaixo.
E a cena a qual eles
observam é sobre o momento em que o rei se apaixona pela futura esposa, Maria
de Médici. No centro da tela o rei Henrique IV é pego de surpresa pelo retrato!
Notem como ele parece se virar para melhor observar o retrato. (Assim como nós frente a uma bela pintura)
O gesto de sua mão denota a surpresa que ele sente ao ver pela primeira vez o
retrato de sua noiva. O retrato é trazido por ninguém menos que Eros, o deus
grego do amor, e por Himeneu, deus grego do casamento, que segura a tocha
nupcial, símbolo do amor ardente.
Ao lado do rei uma
figura alegórica parece encorajá-lo, é a França, com um vestido bordado com a
Flor-de-Lis, símbolo da monarquia francesa. A figura gentilmente se inclina e
toca o rei, o incentivando a se aproximar do retrato. O rei tem a aprovação dos
deuses e de seu povo na escolha da nova rainha!
Logo abaixo da cena
principal, dois pequenos meninos com asas, ou putti como são conhecidos no vocabulário artístico, sorrateiramente
levam as armas do rei! Notem o olhar de malícia com o qual nos encara um dos putti que brinca com o escudo do rei. O
rei está finalmente desarmado diante do amor! O amor venceu a batalha.
A composição é
estruturada em linhas diagonais que guiam nosso olhar pela tela. E no centro
exato da composição, Rubens posiciona o Retrato da futura rainha. Esse não é
apenas um mero capricho do artista, mas um comentário sutil sobre a arte da
pintura. Na tela nós vemos o rei que é seduzido pelo retrato da jovem duquesa
Médici. Porém um retrato é nada mais que uma pintura, ou seja, o rei é
seduzido pela Arte.
Rubens dedicava suas
pesquisas pictóricas á questão da Cor, do movimento, da animação da superfície
da pintura. Pois afinal, como criar uma imagem ilusória, que imita a realidade,
em um suporte bidimensional como a pintura? Por muitos séculos a pintura era
considerada boa ou não analisando o nível de ilusionismo. Analisando o quanto
os artistas conseguiram “imitar a realidade”, criando a perspectiva correta,
criando os volumes corretos e criando a iluminação delicada que moldava os
objetos, formando com esses elementos uma harmonia geral na tela. Ou seja,
quando mais os artistas nos “enganavam”, mais eram celebrados.
Rubens sabia o quão
importante era o papel da sedução da Arte. Ele cria a ilusão utilizando as
cores como um verdadeiro mestre. Ele dá forma aos volumes e texturas dos
objetos através de um degradê delicado de tons. Nós quase podemos “sentir” as
texturas dos tecidos e objetos. O trabalho do pincel é livre, e quando olhamos
de perto suas pinturas podemos ver o sutil rastro do seu pincel pela tela.
Temos a impressão de que o quadro foi criado com um só gesto, com a segurança
de um artista de gênio.
Rubens se inscreve no
que chamamos de Estilo Barroco. A arte Barroca era a arte da ilusão e da sedução
por excelência. É uma resposta dos Católicos à arte austera que se propagava
com o Protestantismo. É a arte da persuasão, do drama, da teatralidade. Os
artistas desse período buscavam tocar a alma dos espectadores, buscavam
exagerar para criar o apelo, para suscitar uma resposta da audiência. E
certamente essa pintura de Rubens cumpre esse papel.
Porém, na verdade a
pintura estava longe da realidade. O rei Henrique IV aceita se casar devido à
pressão de seus conselheiros, que vêem em Maria, uma duquesa da poderosa e
católica família Médici, a oportunidade ideal para por fim de forma definitiva
nas guerras de religião, entre católicos e protestantes, que assolavam a França
na época. Não foi o amor que os uniu, mas sim a astúcia política. Assim como,
quando a então já rainha Maria de Médici contrata Rubens para a elaboração do
ciclo de pinturas sobre a sua vida, ela o faz para afirmar seu papel como
rainha-mãe, após ter sido enviada ao exílio pelo próprio filho, o rei Luis
XIII, pois ela não queria deixá-lo governar sozinho. É Rubens que cria a
alegoria do amor, do governante sensível aos apelos de seu coração. Rubens
poetiza, por meio de suas cores, uma realidade fria e calculada.
Enquanto eu
pesquisava sobre esse quadro, encontrei uma das possíveis origens em latim da
palavra Seduzir, que poderia significar: “ação
de tomar parte”. E acredito que é esse sentimento que despertam em nós as
grandes obras de arte. Elas exercem sobre nós uma atração irresistível: nós
queremos olhá-las, decifrá-las, compreende-las e até tocá-las (mas, por favor,
não façam isso nos museus!). E Rubens foi sem dúvida um dos grandes mestres na
arte da sedução.
Esta obra, assim como o restante do ciclo de pinturas sobre a vida da
rainha Maria de Médici, fica em uma sala especialmente criada para acolhê-lo no
Museu do Louvre, na ala Richelieu, sala 18.
Peter Paul Rubens
O rei Henrique IV recebendo o retrato da rainha Maria de Médici
1621-1625
Óleo sobre tela -
3,94m x 2,95m
Museu do Louvre –
Paris
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